QUANDO NASCEU PORTO VELHO PARTE 01
Algumas pessoas que se dedicam ao estudo da história de Rondônia acreditam que a cidade de Porto Velho teve início no dia 4 de julho de 1907. Justificam esse entendimento apresentando para provê-lo os escritos de Manoel Rodrigues Ferreira, Antônio Cantanhede, Hugo Ferreira e Ernesto Matoso Maia Forte, mais a alegação de que os americanos tinham o hábito de promover as suas inaugurações na data da independência do seu país.
Se analisarmos com cuidado, no entanto, verificaremos que esse entendimento padece de consistência, conforme se verá adiante.
A única inauguração devidamente comprovada, ocorrida na data em questão, foi a de um pequeno trecho de 1878, feito pelos engenheiros da P. T. Collins:
"Um grupo de doentes, reunidos à sombra de uma palmeira, procuravam entoar a canção
"I love thy rocks and rills,
Thy woods and templed hills.
e constituía o único lembrete do nosso grande feriado nacional. Contudo, diversas circunstâncias tornavam o dia 4 de julho de 1878 memorável na história da expedição. No dia anterior os mecânicos haviam terminado a montagem da primeira locomotiva até então vista em toda a bacia amazônica (,,,)
No dia 4 de julho, acenderam a fornalha pela primeira vez e a locomotiva, trafegando por todos os trechos de linha assentados nas vizinhanças de Santo Antônio, fazia, com o bimbalhar do sino e o apito contínuo, um alarido que se ouvia por muitos quilômetros ao redor"... [1]
Depois da P. T. Collins, a firma que efetivamente construiu a ferrovia promoveu quatro inaugurações, estas a seguir: a primeira, no dia 31 de maio de 1910, do trecho entre Santo Antônio e Jaciparaná; a segunda, no dia 30 de outubro de 1910, no trecho entre Jaciparaná e a cachoeira Três Irmãos; a terceira, no dia 7 de setembro de 1911, quando a linha atingiu o km 220, na foz do Abunã e a inauguração final que foi assim descrita:
"No dia 30 de abril de 1912, assentava-se o último dormente da estrada de Ferro Madeira – Mamoré, no ponto final, em Guajará-Mirim. E no dia 1º de agosto desse mesmo ano, realizava-se a inauguração desse último trecho, dando a Companhia concessionária a estrada completamente construída, com os trens trafegando entre Porto Velho e Guajará-Mirim, na extensão total de 364 km." [2]
Como se vê, além daquela inauguração fracassada da P. T. Collins quando a locomotiva 12 tombou espetacularmente fora dos trilhos, nenhuma outra foi feita na mencionada data e mesmo a ferrovia tendo sido concluída em 30 de abril de 1912, a sua inauguração final se deu em 1º de agosto e não em 4 de julho.
Antonio Cantanhede, ao contrário do que dizem, confirma a tese de que o povoado de Porto Velho não teve o seu início em 1907. Vejamos as afirmações das páginas 34/35 de "Achegas para a História de Porto Velho", Manaus. 1950:
"Antes dos melhoramentos trazidos pela Madeira-Mamoré, isso depois de 1907, não se pode acreditar que aqui tivesse estado, quer aquartelada tropa, quer morado alguém, sabido como é que as terras desta cidade e de suas circunvizinhanças não ofereciam vantagem para qualquer gênero de cultura agrícola." (sublinhado nosso).
Observemos, também, o registro da página 30 do citado livro:
"Em 1908, dava-se início aos trabalhos para a ligação de Porto Velho a Santo Antônio e dali, aproveitando-se o traçado e trechos da estrada já feitos, seguir para adiante até o seu término: GUAJARÁ – MIRIM." (sublinhado nosso)
Em relação a data de 4 de julho de 1907, aceita por alguns como a de fundação do município, veja-se o que diz Hugo Ferreira em seu livro "Reminiscências da Madmarly e Outras Mais", páginas 23 e seguintes, sobre a "A Madeira-Mamoré e suas lendas".
(Como sabemos que a grande maioria dos leitores não terão acesso a essa raridade histórica, para comprovar o que foi dito acima, transcrevemos a seguir o texto no qual se baseiam aqueles que defendem a data de 4 de julho de 1907, como o dia da fundação da cidade de Porto Velho):
"Há, precisamente 55, anos, que no dia de hoje foi cravado no último dormente da Madeira-Mamoré em comemoração à chegada da ponta dos trilhos em Guajará-Mirim, um prego de ouro.
Essa cerimônia, tal como o de prata que também foi pregado no início da construção, a 4 de julho de 1907, no local onde hoje se encontra o S.N.M., é tido por muitos como lenda. Portanto, para desmenti-los é que transcrevo a seguir uma nota que solicitei ao meu amigo e colega ferroviário aposentado, o sr. Antônio Borges, Artífice – Mestre - Carpinteiro, uma das raras testemunhas daquela significativa e emocionante solenidade. Eis a nota:
— Satisfazendo o seu pedido referente ao prego de ouro colocado no último dormente da Madeira-Mamoré, informo-lhe o seguinte:
Na manhã do dia 30 de abril de 1912, pelas 10 horas, encontrava-me com outros companheiros em serviço de assentamento do desvio do rio, no pátio de Guajará-Mirim, quando chegaram vários auto-linhas que se dirigiram para a ponta dos trilhos, um pouco antes de onde hoje está a primeira agulha do triângulo de reversão.
Deles desembarcaram vários senhores e duas senhoras, esposas de Mr. Jekey e do Dr. Geraldo Rocha, o primeiro contratista da Construção e o segundo Eng. Fiscal do Governo.
Fomos convidados para assistir naquele local à cerimônia que se ia realizar, que consistia no pregamento de um prego de ouro no último dormente de Madeira-Mamoré.
Formamos em círculo e Mr.Jekey retirou de um estojo que trazia consigo, um prego de ouro idêntico aos de linha e enfiou-o num buraco vago que existia no dormente. Em seguida entregou à sua esposa um martelo, para que o pregasse e depois passou o martelo à senhora do Dr. Geraldo Rocha, que fez o mesmo. A seguir Mr. Jekey retirou o prego de ouro e colocou em seu lugar um prego comum de linha e, pedindo uma marreta ao Feitor, deu-lhe várias batidas, o mesmo fazendo o Dr. Geraldo Rocha e o Cônsul da Bolívia em Porto Velho, Dr. José Gutierrez e outras pessoas da Comitiva.
Foi um delírio esse momento culminante e entusiasmados, prorropem em vivas e hurras ao Brasil, à Norte-América e à Bolívia, devidamente representadas ali pelas suas respectivas bandeiras.
Após tomarem seus veículos e desembarcarem um pouco adiante, na barraca de um vigia e sob uma tosca mesa, num grande livro lavraram a ata do ocorrido, que foi depois de lida assinada pelas principais pessoas presentes.
Em seguida dirigiram-se para o Acampamento 46, Guajará-Assú e aí almoçaram, retornando depois para Porto Velho.
Lembro-me nitidamente desses fatos e ao relatá-los, faço-o com o pensamento saudoso dos meus vinte e três anos de idade que então os tinha e que não voltam mais. (a) Antonio Borges." (sic)
Embora Hugo Ferreira tenha prometido provar não ser lenda o acontecimento relacionado à colocação dos pregos de "ouro" em 30 de abril de 1912 e o de "prata" em 4 de julho de 1907, para tal invocando o testemunho de Antonio Borges, o fato é que este senhor em nenhum momento fala, na carta acima, sobre o tal "prego de prata" ou em 4 de julho de 1907.
Já a história do "prego de ouro" descrita por Borges esta sim é verdadeira e aconteceu como ele disse em sua missiva (com alguma divergência de menor importância), haja vista o que diz o biógrafo de Farquhar, que assim escreveu:
"Farquhar mandou reformar a "Coronel Church", a locomotiva Baldwin de 1878, nas oficinas de Porto Velho, atribuindo-lhe o número 12.
Como tributo a seu predecessor, fez a "Coronel Church" rebocar o trem inaugural que levava a bandeira até Guajará-Mirim. A locomotiva levava representantes do Brasil, da Bolívia e da União Pan-Americana. Após eloqüentes discursos, os três empreiteiros assistiram a mulher do empreiteiro Jekyll cravar o "Grampo Dourado" enviado por Farquhar. Ela perpetuou a tradição americana criada pelo governador Leland Stanford na Califórnia, em 1869, ao comemorar a finalização da primeira ferrovia transcontinental". [3]
Relevante aqui frisar que Hugo Ferreira não foi testemunha de tais cerimônias, o que ele mesmo declara no livro "Reminiscências da Madmarly e outras mais". A propósito, veja-se como ele descreve a sua chegada em Porto Velho:
"Em 1913, no dia de hoje, que por sinal era domingo, aportou a estas plagas um jovem de 20 anos, cheio de vida, esperançoso e confiante." [4]
Quanto ao senhor Antônio Borges, deve ser dito que não há registro de sua chegada a estas plagas, em 1907. Provavelmente nem fez parte da turma pioneira que chegou a Santo Antônio em junho de tal ano, como muitos parecem acreditar.
Tem-se então que o senhor Antônio Borges não presenciou o suposto acontecimento do lendário "prego de prata", por isso, na mencionada carta, nenhuma referência fez a respeito. Ninguém resistiria às doenças da região por tanto tempo para assistir, do começo ao término, a referida construção.
O grande sanitarista Osvaldo Cruz, que aqui chegou em 1910, em certo momento chegou a registrar:
"A procrastinação das medidas será um crime de lesa-humanidade permitindo maiores sacrifícios que os de hoje: Uma vida e, talvez 10 inutilizadas por dia é de lesa-pátria porque transformará em zona inabitável um dos mais ricos e belos sítios do mundo." [5]
Oswaldo Cruz foi até generoso em sua previsão de "uma vida por dia", já que ficou provado que, oficialmente, morreram aproximadamente quatro vezes mais.
Com relação ao senhor Ernesto Matoso, vale esclarecer que foi um dos participantes da Comissão Morsing – Pinkas, na condição de secretário e, portanto, o responsável pelo Relatório da referida Comissão. Este relatório foi publicado no Rio de Janeiro em 1885, com o título de "Impressões de Viagem – Itinerários e Trabalhos da Comissão de Estudos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré".
A Comissão Morsing/Pinkas, que aqui esteve entre 19 de março a 19 de agosto de 1883, não tem relação direta com aquele aludido 4 de julho de 1907, como querem fazer crer, posto que entre uma data e outra se passaram mais de 24 anos.
De qualquer sorte, um fato importante merece ser lembrado para esclarecimento da escolha do local para início da ferrovia a partir do chamado Ponto Velho, lendo o que nos diz Matoso no citado relatório. Diz ele:
"Para completar os estudos que a comissão fizera em 7 kilometros, de Santo Antônio ao Ponto Velho, no sentido de verificar se era esse o melhor para a estação principal, foi designado pelo Dr. Morsing, o chefe de secção Bacelar (Vicente de Bacelar Pinto Guedes) para proceder as sondagens precisas, seguindo em lancha a vapor para esse lugar, onde chegou em fins de outubro, dando logo execução às ordens recebidas".
O resultado d'essas sondagens evidenciou a navegabilidade do rio Madeira até Santo Antônio, para embarcações de 2m,20 de calado, nas vazantes, dando livre navegação aos maiores navios nas enchentes, porquanto sobem as águas a enorme cifra de 14,m acima do nível das águas na máxima baixa." [6]
"Nesse intuito, verificou a comissão de estudos o traçado da linha, corrido pela empresa Collins, desde Santo Antônio até a cachoeira do Caldeirão do Inferno, na extensão de cerca de 106 kilometros, e correu uma linha entre Santo Antônio, de rio abaixo, e Ponto Velho, cerca de 6 kilometros, sendo este ultimo ponto julgado preferível para a estação inicial por apresentar melhores condições de porto".[7]
Na verdade quem primeiro teve a idéia de iniciar a ferrovia no antigo Ponto Militar, foi o engenheiro Carlos Morsing, mandando inclusive proceder ao levantamento topográfico do trecho e a medição de calado do rio, em frente ao Ponto Velho.
A Comissão Morsing / Pinkas foi quem realizou estudo técnico para que o governo tivesse uma idéia dos custos do possível empreendimento, e isso pode muito bem ser mensurado pela leitura do seguinte registro:
"Os trabalhos feitos por essa comissão não são definitivos, e nem como tal foram apresentados; mas apenas estudos preliminares oferecendo elementos para o cálculo aproximado do custo da estrada e base suficiente para a deliberação que o governo tivesse de tomar sobre a execução da obra". [8]
Essas são as únicas referências do Relatório de Matoso ao local chamado Ponto Velho.
Joaquim Catramby decidiu iniciar a ferrovia nesse local pelo fato do edital de licitação, no seu artigo 3º, determinar que:
"A diretriz geral da estrada de ferro será indicada nos trabalhos das comissões dos engenheiros Morsing e Pinkas, constantes dos relatórios apresentados por este último em data de 20 de junho de 1885." [9]
A razão pela qual o edital de licitação não levou em conta o tratado de Petrópolis com relação ao início da ferrovia, é assunto para mais pesquisas.
Ernesto Matoso em nenhum momento faz referência a "prego de prata" ou "4 de julho de 1907," como afirmam os defensores da teoria de que Porto Velho teve inicio em tal ano.
Emanuel Pontes Pinto, teórico dessa corrente, em "Rondônia Evolução Histórica", cita às página 91, por exemplo, que::
"Os engenheiros da empresa construtora americana constatam, ao chegar a Santo Antônio do rio Madeira, a inviabilidade de começar ali a ferrovia devido às precárias condições de acesso fluvial ao porto improvisado para embarque de equipamentos pesados. Resolveram, então, alterar o projeto e descer sete quilômetros, para iniciar a construção a partir de um porto velho mais acessível, situado em terras pertencentes ao estado do Amazonas.(88). Em 4 de julho de 1907 houve a cerimônia oficial do começo da construção, com todos os engenheiros, auxiliares e trabalhadores reunidos, sendo, na ocasião, simbolicamente batido um prego de prata para firmar um trilho no primeiro dormente ali colocado (89)
Por dever de ofício, registramos que os números 88 e 89 que aparecem na transcrição, referem-se a informações colhidas nos livros de Marijesco de Alencar Benevides (Os novos Territórios Federais – Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta-Porã e Iguaçu) e Hugo Ferreira na obra aqui citada e, segundo Emanuel, informação registrada na página 12.
Relevante esclarecer que na página 12 da obra de Hugo Ferreira não há nenhum registro sobre "prego de prata". Ele fala, é bem verdade, em 4 de julho, mas referindo-se à locomotiva 12, conforme vê-se a seguir:
"Ali permaneceu ela até 1911, isto é, apenas 33 anos, em completo abandono, no campo, exposta às intempéries quando a Companhia, também Norte-Americana, construtora da atual Estrada e seus contratistas May, Jack & Randolph, resolveram trazer a sua carcassa às oficinas aqui em Porto Velho, onde foi completamente reconstruída e entregue ao Tráfego no dia 4 de julho de 1912, havendo custado êsse serviço a importância de 55.753,60 cruzeiros. Tem ela portanto, cerca de 80 anos de existência"(sic).
PARA SABER O RESTO DA HISTÓRIA CLICK NO LINK ABAIXO
http://www.gentedeopiniao.com.br/colunista.php?codigo=67
(TEXTO SEM MODIFICAÇÕES)
Fonte: Antônio Cândido da Silva
Membro da Academia de Letras de Rondônia
Membro da União Brasileira de Escritores – UBE – RO.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
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